Sabia que passado era feito de cheiros.
Cheiros bons que lhe enchiam de imagens, fazendo com que a menina suspirasse muitas vezes no dia.
Cheiro de café no meio da tarde era tempo de morar com a vó. Tempo de brincar até tarde na rua.
Tempo de apanhar vagalume e guardar num frasquinho pra luz não sumir. Que era esse o desejo da menina desde cedo: o de manter as luzes acesas por mais que disessem não. Por mais que o vento soprasse.
Cheiro de bolo saindo do forno era amigas reunidas em volta da mesa, pra falar de um novo paquera, do primeiro beijo, de um olhar trocado com um colega de sala.
Cheiro de mato era correria no quintal do vizinho, trepanças em árvores, lambuzeiras de goiabas e mangas e outras coisitas mais. Tempo de apostar corrida pra ver quem chegava primeiro. E o último era sempre a mulher do padre.
Cheiros bons que invadem o peito, tomam conta de tudo e faz a gente lembrar do bonito que foi e que, de um jeito ou de outro, permanecerá bem dentro, bem forte, esparramando alegrias todas às vezes que o frasco for derramado.
Perfume da memória que o tempo não destrói e que o coração não apaga.
Cris Carvalho